sábado, 19 de março de 2011

Conheça os encantos de Barra do Garças



Vídeo exibido no quadro Tô de Folga do Jornal Hoje em 8 de janeiro de 2010, indicando Barra do Garças (MT) como opção de turismo ecológico.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Um rei africano no Brasil


Um rei africano no Brasil


Nos porões de um navio negreiro, um rei destronado chegou ao Brasil. Mas a condição de escravo, na antiga Vila Rica (atual Ouro Preto), não o impediu de reinar novamente. Chico Rei, como ficou conhecido, libertou seu povo da fúria dos senhores, fez nova fortuna e se tornou figura de destaque em Minas Gerais e no imaginário da cultura popular brasileira. O livro A história de Chico Rei: um rei africano no BrasiI, lançamento de Edições SM, é uma oportunidade para que os jovens leitores conheçam a história de luta e solidariedade desse bravo personagem.

A obra é escrita e ilustrada por Béatrice Tanaka, premiada autora de livros infantis, que passou a adolescência em Minas Gerais. Retratando fielmente o Brasil colonial, Béatrice traduz a saga deste rei do Congo trazido ao Brasil em prosa ritmada e fluente, que lembra muito a oralidade de uma contação de histórias. O livro é complementado por um poema de Cecília Meireles dedicado ao herói negro, além da letra do samba-enredo dos Acadêmicos do Salgueiro de 1964 – ano em que Chico Rei foi homenageado pela escola no Carnaval carioca. Há ainda um texto autobiográfico, no qual a autora conta como conheceu Chico Rei, adornado por desenhos feitos por ela na década de 50.

Indicado para o leitor fluente (a partir de 10/11 anos), A história de Chico Rei leva a criança a explorar a realidade do Brasil nos tempos da colonização através de um personagem emblemático e mostra as raízes da cultura brasileira, retratando congadas, escolas de samba e instrumentos de percussão que, mais tarde, se misturaram aos ritmos portugueses, originando diversas correntes musicais. Dando vida ao enredo, Béatrice explora as cores e tonalidades das ilustrações, construindo verdadeiras narrativas imagéticas que enchem os olhos do leitor e o fazem mergulhar em uma obra que reúne o prazer da leitura e o conhecimento da História.


A AUTORA E ILUSTRADORA

Béatrice Tanaka nasceu em 1932, na cidade de Czernowitz, então pertencente à Romênia, e atualmente na Ucrânia. No Brasil desde 1947, é figurinista e cenógrafa premiada pela Bienal de São Paulo (1961) e autora e ilustradora de mais de quarenta livros. Já recebeu duas vezes o prêmio concedido aos cinquenta mais belos títulos publicados anualmente na França (50 Beaux Livres de l’Année). (com assessoria)

sábado, 12 de março de 2011

Saiba mais sobre as monções de abastecimento

Combate de monção com os Paiaguá. Moacyr de Freitas (1992)

Por Alessandra Alexandrina da Silva

O termo Monções significa regime alternado dos ventos que sopram durante o verão, do Índico para a Ásia Meridional e, durante o inverno, da Ásia Meridional para o oceano Índico, mas esse termo já serviu também para definir o periodo propício para navegação no Brasil entre entre a segunda década do século XVIII e a primeira metade do século XIX.

As monções tiveram papel fundamental para a colonização, principalmente da região centro-oeste do brasil, em 1718 quando começaram os indicios de descoberta de ouro na região. A descoberta teve inicio com o bandeirante Pascoal Moreira Cabral que foi o primeiro a achar ouro nas margens do rio Coxipó, próximo onde hoje esta situada a cidade de Cuiabá.

Outros sertanistas começaram a se instalar no local e aos poucos iam descobrindo outras jazidas, o que fez da região um vasto campo de mineração, os paulistas largavam tudo o que possuiam seguindo esta viagem, desta forma podemos afirmar que a partir dai começa a verdadeira corrida do ouro.

As expedições começaram a utilizar as vias fluviais (rios) e devido a isso foram nomeadas de monções, pois, se favoreciam de um periodo das cheias, regimes onde os rios eram facilmente navegáveis. As monções levavam cerca de 5 meses para alcançar as minas de Cuiabá, aos poucos essas viagens ficavam cada vez mais regulares, o que as tornavam cada vez mais organizadas, partiam sempre de onde hoje está localizado as cidades de Porto Feliz e Itu, as margens do Tietê, transportando inicialmente mão de obra paras as minas, e pouco depois transformaram-se em monções de abastecimento, transportando apenas mercadoria para manter os que já estavam por lá..

As dificuldades das expedições eram muitas já que a viagem se tornava complicada devido aos insetos venenosos, doenças e ataques indígenas. Os meios de transportes eram precários, canoas construídas com troncos e de forma muito rasa para transportar as 300 arrobas de carga que eram colocadas. A tribulação também ocupava grande parte da canoa, era composta pelo piloto, pelo proeiro e por cinco ou seis remadores que remavam em pé como os índios. A carga ficava no centro da canoa, os tripulantes na proa e os passageiros na popa. Alimentavam-se de feijão, farinha de mandioca ou de milho e recorriam à pesca, aos palmitos, frutos e caça. Com o tempo as canoas se transformaram em grandes comboios e tinham capacidades de transportar ate 3 mil pessoas, sabe se que a maior era do governador de São Paulo, D. Rodrigo César de Menezes.

fonte: http://www.historiabrasileira.com/brasil-colonia/moncoes-e-expedicoes-ao-interior-do-brasil/

sexta-feira, 11 de março de 2011

MATA CAVALO: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizado

MATA CAVALO: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizado

O Quilombo

A área onde se localiza o Quilombo Mata Cavalo situa-se geograficamente entre as coordenadas UTM – Universal Transversa de Mercator X (horizontal) 8252 à 8240 e Y (vertical) 570 à 558, 15º 50’ à 15º 58’ de Latitude Sul e 56º 22’ à 56º 30’ de Longitude W à Oeste do meridiano de Greenwich, 2º e 48’ à direita do Meridiano Rondon.. O município de Livramento, onde se encontram as terras do Mata Cavalo integra a mesorregião 130, da microrregião 534 de Cuiabá, no centro sul de Mato Grosso, tendo como limites os municípios de Várzea Grande, Rosário Oeste, Barão de Melgaço, Santo Antonio do Leverger, Jangada e Poconé. Seu clima característico é o tropical quente e sub-úmido, com temperaturas médias anuais em torno de 26-27ºC.

Historicamente, a sesmaria denominada Boa-Vida, atual Quilombo Mata Cavalo, teve sua origem com a descoberta de ouro na antiga região onde hoje se encontra a cidade de Cuiabá. Os pioneiros que aqui chegaram faziam parte da bandeira de Paschoal Moreira Cabral, segundo Silva (2003) “O sorocabano Cabral havia se encontrado com Antonio Pires de Campos nos bananais de camapuã e decidido, ao ver o número de cativos que comboiava, também vir em busca do coxiponés[i], na barra do rio Coxipó com o Cuiabá”. (p. 4). Em 1718 logo após ser derrotado no confronto com esses índios Moreira Cabral é assistido pelos paulistas que estavam alojados no Carandá, no rio São José dos Cocais onde se localizava o acampamento de Fernão Dias Paes. Em 1751 José Paes Falcão, um dos filhos de Fernão Dias Paes pede requerimento a D. Antonio Rolim de Moura, o então Capitão-general de Mato Grosso, de uma sesmaria localizada entre três córregos que mais tarde viriam a ser denominados de Estiva, Mata Cavalo e Mutuca.

Essa comunidade luta por seus direitos sobre a área da Sesmaria Boa Vida, num total de seis quilômetros de largura por doze quilômetros de comprimento. A sesmaria foi concedida a José Paes Falcão por força de decreto assinado por D. Antônio Rolim de Moura, em 1751, sendo posteriormente medida, demarcada e empossada judicialmente por Antônio Xavier de Siqueira, em dezembro de 1788, através do acordo de compra realizado por seu pai Antônio Roiz de Siqueira, em 1772.[ii]

Juridicamente a concessão da sesmaria não caracterizava em propriedade particular, sendo que sua efetivação vinculava-se por imposição da Lei à necessidade de sua medição, demarcação e confirmação judicial. Em 1772, Paes Falcão vende o direito por concessão obtida ao Sr. Salvador Rodrigues ao preço de dois potros. Em 1788 o alferes Antônio Xavier de Siqueira, filho de Paes Falcão, realiza a medição das terras da Sesmaria Boa Vida, colocando os quatro marcos de aroeira roliça, determinando finalmente sua posse judicial.

A definitiva ação formalizada em Lei que determinou a posse da referida sesmaria pode ser confirmada no trecho transcrito por Silva (2003) “[...] sendo feitas todas as cerimônias da lei e costume praticado, demos com efeito ao dito Alferes Antônio Xavier de Siqueira por empossado das ditas terras demarcadas, com posse judicial, atual, civil, natural e real, na forma do direito.” (p. 8). Em conseqüência da morte de Antônio Xavier de Siqueira, em 1804, a Sesmaria foi dividida em duas partes tomando-se como divisor natural o Córrego Mata Cavalo, a da Boa Vida, ao Sul, passa para o controle da família Siqueira e a Sesmaria Rondon, ao Norte do Ribeirão Mata Cavalo que também passa às mãos de outros membros da mesma família. Em 1850 Da. Custódia de Arruda e Silva arremata em ato judicial a Sesmaria Boa Vida, sendo posteriormente colocada à disposição da justiça por questões de dívidas. O segundo grande momento da afirmação do direito de propriedade envolvendo a sesmaria Boa Vida, diz o professor Silva, ocorre quando o capitão Antônio José do Couto executa judicialmente dívida da qual era cessionário incluindo também, entre outros bens, a referida Sesmaria. Em ato público-judicial Ricardo José Alves Bastos, esposo de D. Ana da Silva Tavares arremata a Sesmaria Boa Vida, pagando por ela a quantia de um conto de réis. Acometido por uma grave doença, em cinco de dezembro de 1874, Ricardo José Alves Bastos declara o seu testamento aberto. Ainda segundo Silva (2003) “este testamento será um dos argumentos utilizado para justificar a expropriação das terras dos negros de Mata-Cavalo. [...] o testador destina ‘a sua terça’ que, segundo as Leis Civis do Império, conforme o art. 1008 [...] era a parte disponível que podia ser destinada em testamento” (p. 10).

Mas, um fato relevante muda essa perspectiva posto que Ricardo José Alves Bastos instituindo um fideicomisso[iii] com sua esposa D. Ana da Silva Tavares transforma-a em fiduciária e Francisco José da Silva, seu vizinho, o fideicomissário, determinando por força da Lei que a propriedade só será transferida à este após a eventual morte de sua esposa. O fideicomisso foi extinto com a morte de Francisco José da Silva que faleceu antes de sua esposa, outorgando a posse da sua propriedade a seu favor. Uma outra questão importantíssima consta no referido inventário que confere plena liberdade aos seus trinta e oito escravos após a morte de D. Ana da Silva Tavares.

O ano de 1883 marcou a ferro e fogo o destino dos escravos herdeiros da Sesmaria Boa Vida e as conseqüências deste evento histórico repercutem-se, através do tempo, na trama onde é tecido, na atualidade, o contexto de violência provocada pela disputa das terras do “Mata Cavalo”. Não há como não perceber as manobras políticas impetradas pelas elites dominantes aos ditos escravos, que utilizaram, e ainda utiliza, toda sorte de recursos para atingirem seus interesses.

A partir do assentamento de doação da Sesmaria Boa Vida aos escravos de D. Ana da Silva Tavares, em 1883, iniciaram-se, pelos interesses da elite rural dominante nesta região, as manobras políticas que levariam ao início dos conflitos pela disputa desta terra, numa luta desigual. O livro n. 49 do Tabelionato de Notas de Livramento, que continha as anotações jurídicas legitimando a doação feita aos escravos cativos e também libertos de D. Ana, desapareceu de forma misteriosa. Curiosamente, a referida senhora é descendente das fortes famílias da oligarquia dominante na região, que falsificaram todo tipo de documentos para suprimir quaisquer direitos de posse da terra por parte dos negros da Sesmaria Boa Vida. Por ironia ou mera coincidência, tal doação, foi levada a registro no Livro da Câmara do município de Nossa Senhora do Livramento, área de influência dessa elite dominante, em cumprimento às exigências do primeiro Código de terras do Estado de Mato Grosso. A reconstituição histórica desse evento só foi possível com a descoberta de documentos contendo declarações de vontade de D. Ana da Silva Tavares e que hoje se encontram no Arquivo Público de Mato Grosso e também no Instituto de Terras de Mato Grosso – INTERMAT.

Conforme constatações do advogado Silva, em sua investigação para a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, a confirmação do registro da doação da sesmaria aos escravos nunca foi efetuada oficialmente, posto que o senhor Leopoldino Alves da Costa, que assinou à rogo de D. Ana da Silva Tavares no referido documento, era justamente o secretário da Câmara Municipal, e tinha como principal função colher os registros de propriedade daquele distrito. Esses tipos de manobras escusas praticadas à luz do dia pela burocracia da máquina estatal em perfeita sintonia com os interesses da oligarquia dominante, revelam práticas normalmente utilizadas e quase sempre bem sucedidas, herança do regime escravocrata no Brasil. O advogado José Orlando Muraro Silva, ex-integrante da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso é otimista quanto à situação do Quilombo Mata Cavalo, na medida em que as pesquisas em andamento apresentaram-lhe um outro vetor a ser utilizado pelos profissionais da área de direito. Segundo Silva (2003, p. 15) São documentos tais como inventários, livros de registros fundiários[iv], relatos de viajantes, padres e militares, de tal forma que se possa acumular um volume tal de informação [...] para que as comunidades possam postular seus direitos em juízo, sem correr o risco de gerar uma jurisprudência contrária aos seus interesses.”

Terras do Quilombo: um espaço de negros

A terra funciona como catalisadora do sentimento de pertença a um determinado território onde, por ela e a partir dela esses negros constituem-se enquanto comunidade afro-referenciada. Historicamente, seus ancestrais fincaram neste pedaço de terra suas raízes, construindo através delas os elementos culturais de suas identidades singulares, o ser negro e quilombola. O modo peculiar de vida dos membros desta comunidade, seus costumes, a religiosidade, os aspectos da vida comunitária, o culto às tradições herdadas dos seus ancestrais e o esforço na manutenção de suas identidades singulares produzem o que se poderia denominar territorialidade étnica, edificando-a enquanto território real e simbólico, simultaneamente.

Impossível dissociar essa comunidade do seu espaço geográfico primordial. O chão, expressão de sonhos e possibilidades, que muitas vezes foi irrigado com o vermelho tom da intolerância, testemunha o vigor e a determinação dos homens, mulheres e crianças gerados na mais pura têmpera dos ideais da resistência, criando e recriando constantemente um modo de vida peculiar. Esse mundo dinamicamente dividido entre o velho e o novo conserva a “aura da negritude” de seu universo quilombola cultivando tradições que vão se obliterando sem, contudo, perder sua essência primeira, uma essência que não é somente africana, mas afro-brasileira, resultante do encontro de etnias[v] e do caráter híbrido de sua sociedade. Segundo Haesbaert (2006, p. 344), “teríamos vivido sempre uma multiterritorialidade”, onde percebemos que em toda relação social há uma implicação, uma interação territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. Nesse quadro sócio cultural o indivíduo vive ao mesmo tempo ao seu nível particular, ao nível da sociabilidade entre seus familiares, do seu grupo social, e da sua própria comunidade. A dinâmica das transformações sociais e culturais em conseqüência do estado de beligerância pela disputa da posse das terras do Quilombo determinam, num certo grau, não a crise mas a própria constituição da identidade do grupo, como Bauman aponta em seus tratados teóricos. Para ele o próprio conceito “identidade” nasce em função da crise de pertencimento e da necessidade de se adaptar criando novas identidades a partir do campo da idéia, como citado acima. Toda uma tradição herdada das senzalas reflete no cotidiano dessa comunidade criando territorialidades diversas que ora convergem ora divergem nos confrontos de interesses no seu interior. Ao rebuscar os elementos culturais de uma possível essência africana recriam seus territórios na diáspora, ressignificando seu espaço e delimitando-o como um território de negro, um mundo conceitual quilombola.

Numa entrevista concedida ao autor deste artigo, o Sr. Antonio Mulato, de 104 anos de idade, filho de mulher escrava e pai nascido após a Lei do Ventre Livre, podemos constatar uma certa nostalgia de um tempo que ficou somente na memória, um tempo de fartura marcado pelo modo de vida coletivo, um tempo em que a maioria das casas contavam com engenhos, criações de animais domésticos, plantações de mandioca, milho, arroz, feijão e a cana de açúcar, fontes de renda e de subsistência familiar. Rebuscando nos escaninhos da mente relembra os dias felizes da vida comunitária, dos muxiruns[vi] para execução de trabalhos no campo e das festas em comemorações aos dias santos, abundantes durante todo o ano. Quando perguntamos a ele como se sentia nessa altura de sua vida ele respondeu que: “to alegre por que ainda to vivo, mas hoje cada um faz por si. Esse é o atraso da vida, né? Não existe mais a união, acabou a união. Fazer o que? To alegre por que ainda to vivo.”


[i] Denominação da tribo de índios que habitava a região próxima aos rios Coxipó e Cuiabá no início do século XVIII.

[ii] O primeiro registro oficial referente a essa área de litígio encontra-se nos arquivos no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDHIR – da Universidade Federal de Mato Grosso, nos documentos 178 e 179 da micro-ficha número 14.

[iii] De acordo com o Código Civil Brasileiro “fideicomisso é uma espécie de substituição onde o substituto não herda no lugar do substituído, mas após o substituído, beneficiando pessoas não concebidas ao tempo da morte do testador.

[iv] Vale salientar que são registros anteriores à criação do Registro de Imóveis em 1917.

[v] Utilizo o conceito Etnia e não o de Raça para especificar o povo que forma a sociedade do Quilombo Mata Cavalo, de acordo com a nova tendência nas áreas das Ciências Biológicas que comprovaram em laboratório a ineficácia do conceito Raça na análise das estruturas físico-químicas que formam os organismos vivos.

[vi] Sistema comunal de trabalho, muito utilizado no Brasil colonial, para execução de tarefas coletivas e também particulares, onde o contratante se obrigava a servir o almoço, feito pelas mulheres, enquanto os homens executavam o serviço braçal.

A fala simples do Sr. Antonio Mulato revela um problema que preocupa grande parte dos moradores do Quilombo Mata Cavalo. Para os mais velhos a tradição e os costumes herdados de longa data constituem-se nos elementos culturais da identidade quilombola forjada no movimento de múltiplas diásporas, conformando comportamentos e reconstruindo novos territórios dentro do universo conceitual afro-referenciado. Em meados do século XX fugindo às pressões de alguns fazendeiros da região de Livramento – MT, um número considerável de famílias oriundas do “Mata Cavalo” mudou-se para diversas localidades dentro e fora do Estado de Mato Grosso. Essa constante mudança explica de alguma forma como essa sociedade procurou no sistema de vida coletiva proteger-se, fortalecendo os elos da cadeia de reciprocidade e troca de favores no seu interior.

No entanto essa terra, testemunha viva da História do Quilombo Mata Cavalo, ainda possui o mesmo valor material e simbólico na conformação da identidade singular dos remanescentes quilombolas, apesar da perspectiva sombria de algumas pessoas que representam a antiga geração desta comunidade. Em pleno século XXI a terra e o tempo, protagonistas desta trama histórica, marcaram o compasso na dinâmica de transformações profundas, alternando movimentos de fluxo e refluxo sócio-culturais no interior desta comunidade conformadas pelo estigma de um mundo em plena convulsão, um mundo globalizado.

O quilombola e a globalização

Zygmunt Bauman, sociólogo natural da Polônia, analisa as transformações sociais por que passam as sociedades atuais em conseqüência da globalização. Em sua obra Modernidade Líquida, publicada em 2001, observa o homem enquanto ator social percebendo o processo contínuo de individualização à que está submetido tendo como agravante as mudanças nas suas formas de relacionamento e de percepção do mundo que o rodeia. Utilizando-se da metáfora da “liquefação”, consegue captar a dinâmica das mudanças social e cultural de um mundo reestruturado pela velocidade da comunicação e pela subversão das ordens de valores éticos e morais. No interior dessa sociedade convulsionada as instituições sociais, que ele considera como sólidas, obliteram-se de forma acentuada desestruturando as antigas formas de convivências humanas delineadas pelas estruturas familiares e pelo mundo do trabalho. Na nova formação social o estado de fluidez e flexibilidade molda a plasticidade com a qual os indivíduos interagem com o meio envolvente. Nessa perspectiva o estado de liquefação dos sólidos metaforicamente demarca um tempo histórico estigmatizado pela provisoriedade e sensação de uma falsa liberdade, que traz como conseqüência imediata o desconforto e o desamparo social. Numa análise subjetiva dessa questão, Bauman relaciona diretamente o desprendimento do homem das suas redes de pertencimento social e familiar, localizando-o num terreno movediço onde as estruturas do individual se sobrepõem às do coletivo.

Discutir a situação social e política do Quilombo Mata Cavalo é confrontar o antigo e o novo numa interação dialética entre a tradição, que se quer estática, e a mudança que oscila entre o desejo e a conformação. A tradição, portanto, constitui-se no grande objetivo a ser consolidado por essa comunidade que se utiliza de todos os meios disponíveis para a sua manutenção, quer recuperando antigos elementos constitutivos da tradição afro-referenciada, quer reconstruindo novos elementos culturais que permitam perpetuá-la. Entretanto, a necessidade de subsistência econômica obriga grande parte dos seus integrantes, na maioria jovens, a procurar sua inserção no mundo do trabalho, geralmente nos meios urbanos onde buscam a realização de sonhos de independência financeira e reconhecimento social. O grande problema reside no fato de que esses afro-descendentes vivem em um mundo globalizado, profundamente marcado pela “modernidade líquida” onde tudo é provisório, terreno movediço, um espaço de absoluta falta de segurança.

Uma das características principais da globalização é o estado de contínuo movimento em que o mundo se encontra, produzindo desequilíbrios e alargando o fosso que separa ricos de pobres. Segundo Bauman (1999, p. 8), “Todos nós estamos, a contragosto, por desígnio ou à revelia, em movimento. Estamos em movimento mesmo que fisicamente estejamos imóveis.” Essa noção de movimento polariza a balança do poder aumentando a capacidade de operação dos que são globalizados, estendendo as fronteiras de seus domínios ao mesmo tempo em que aumentam o nível de exclusão social dos localizados. “Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social” (BAUMAN, 1999, p. 8). Nesse contexto globalizado a mobilidade constitui-se na peça chave com a qual os privilegiados da sociedade combinam os fatores essenciais hegemônicos dominando o mundo dos negócios, das finanças, comércio e controle dos fluxos de informações. A falta da mobilidade estratégica, a redução à condição de “local” são os fatores que determinam a exclusão social de pobres no mundo contemporâneo promovendo um estado de insegurança e incertezas.

Sociedade tradicional[i], o Quilombo Mata Cavalo busca a afirmação de sua identidade ressignificando antigas tradições de origem africana e dotando-a dos caracteres que possibilitem situá-la no interior do universo de representação quilombola. Entre elas destaca-se a Dança do Congo[ii]. Em Nossa Senhora do Livramento a Dança do Congo foi uma tradição importada historicamente da antiga “comunidade dos pretos”[iii] do Mata Cavalo. Essa dança, ensinada e praticada na Casa São Benedito, naquela cidade, assume dimensão educacional empírica na medida em que resgata valores afro-referenciados do universo quilombola. Segundo Dantas (1995, p. 93):

O reconhecimento social do Congo como um conhecimento eminentemente negro, na perspectiva do processo ensino/aprendizagem, recupera para os negros e para a sociedade, a identidade dos negros como sujeitos e como produtores de cultura. Como um fenômeno educativo de alcance étnico, apresenta o negro como concretude na sociedade local, regional e nacional; apreende sua existência como real e viva. Evidencia-se a possibilidade de ser – no – mundo – negro, com outros negros, com outros brancos. Uma forma de aprender a ser negro no arrepio dos parâmetros racistas, mantendo uma saída para fora do vínculo do branqueamento e da integração da imagem branca do negro.

Obliterada quase em sua totalidade no passado a Dança do Congo foi retomada pela comunidade do Quilombo Mata Cavalo como parte das ações de recuperação de valores de sua cultura negra. Segundo depoimento de D. Tereza, presidente desta comunidade quilombola, ao autor desse artigo em 12 de setembro de 2008, toda forma de tradição é crucial para a sobrevivência da comunidade. Entre apertos de mão, abraços e saudações afetuosas a venerável matriarca, líder do Quilombo, amavelmente descrevia os pormenores da festa e da tradição religiosa de sua comunidade. De acordo com suas palavras “A religião nossa é coisa de nosso passado, então tudo isso é nosso futuro, é nossa lembrança e nossa recordação dos nossos antepassados.”

Ao utilizar-se da expressão “tudo isso” ela tenta descrever em duas palavras todo o universo cultural da tradição quilombola de sua comunidade. A consciência de perpetuação da comunidade quilombola fica evidente quando D. Tereza afirma que “tudo isso é o nosso futuro”, isso é relevante na medida em que o futuro da comunidade se garante pelas vias das práticas culturais da tradição ancestral do Quilombo. Muito além da questão subjetiva da preservação do universo quilombola, as tradições ancestrais conferem juridicamente a posse e propriedade da terra em consonância com as políticas de terras da Constituição Federal de 1988, desde que produza em conseqüência, a manutenção da identidade singular da comunidade conformando uma sociedade tradicional negra e quilombola. Não há como agregar maior ou menor valor à questão dos interesses dos remanescentes quilombolas entre a preservação da memória ancestral e a simples posse da terra. Ambas possuem grande valor objetivo e também simbólico, pois traduzem no tempo da História todas as lutas, anseios, sofrimentos, sonhos, ódios e amores que ultrapassaram as vidas de várias gerações mantendo viva a chama da tradição quilombola, forjada no ideal da esperança.

Hoje a sociedade do Quilombo Mata Cavalo aguarda a decisão judicial que formalizará a definitiva propriedade de suas terras, herança de direito, herança de fato. Frente ao mundo convulsionado pela globalização e profundamente estigmatizados por perseguições oriundas dos conflitos em torno do preconceito racial à que estão sujeitos, os quilombolas buscam numa antiga fórmula a preservação do seu mundo, mantendo-se a tradição conserva-se a identidade que os une ao mesmo tempo em que os fortalece. Zigmunt Bauman ao citar Cornelius Castoriadis “o problema da condição contemporânea de nossa civilização moderna é que ela parou de questionar-se” (BAUMAN, 1999, p. 11), alerta para os perigos da aceitação pacífica da imobilidade imposta pela modernidade líquida, segundo suas próprias palavras “O preço do silêncio é pago na dura moeda corrente do sofrimento humano” (BAUMAN, 1999, p.11). Desta forma buscam-se não as respostas, a saída para esse estado letárgico da sociedade globalizada, mas sim a predisposição em questionar a condição humana na contemporaneidade, estimulando e delimitando novas agendas sociais. A proposta desafiadora deste sociólogo permite situar o papel preponderante dos intelectuais como formadores de opinião, enquanto criadores dos instrumentos que permitam uma intervenção racional na própria realidade do vivido, pois “Fazer as perguntas certas constitui, afinal, toda a diferença entre sina e destino, entre andar à deriva e viajar” (BAUMAN, 1999, p. 11).

A História do Quilombo Mata Cavalo que se projeta no presente determinará o destino da comunidade quilombola. De fato ao debruçarmos os olhos sobre o passado percebemos o caminho tortuoso percorrido, desde as senzalas, por homens e mulheres em constante luta pela sobrevivência, num processo continuo de adaptação ao meio, utilizando-se do possível no movimento da resistência. Nesse contexto violento a terra forneceu o amálgama que fixou as bases da identidade quilombola e o tempo se encarregou de forjar o ideal da negritude resgatando a dignidade do ser negro em um mundo de brancos. Na atualidade o espírito de Zumbí de Palmares ressona metaforicamente naquele universo quilombola racionalizando o seu espaço primordial, o espaço de negro, uma África reterritorializada.


[i] De acordo com o Dr. Pedro Castelo Branco da Silveira, Antropólogo e ambientalista da Fundação Joaquim Nabuco, em entrevista concedida ao Prof. Digão Travitzki, disponibilizada e acessada em 10/fevereiro/2010 no sítio eletrônico: http://www.rafael.bio.br/ecos/index.php?option=com_content&view=article&id=51:uma-categoria-meio-estranha-o-que-sao-comunidades-tradicionais&catid=29:entrevistas&Itemid=66 “Populações tradicionais é um conceito pós-surgimento do ambientalismo. Esse nome só surgiu porque no panorama internacional se descobriu que índios e populações tradicionais eram capazes de preservar os lugares onde moravam. Ou, em outras palavras, que viviam em locais conservados”.

[ii] Essa dança é a representação da luta simbólica entre dois reinados da África, em conseqüência da negação por parte de um dos reis ao pedido de casamento de sua filha, entendido por ele como uma possível traição objetivando a disputa da sua coroa. Para esse rei a intenção do seu opositor era lhe matar assim que o casamento se realizasse, possibilitando a anexação do seu reino.

[iii] Utilizamos essa expressão para indicar a forma como os integrantes do Quilombo Mata Cavalo eram reconhecidos pelos habitantes da cidade de Nossa Senhora do Livramento, de acordo com a tradição oral da região.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

Bauman, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.

Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001.

Bauman, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi / Zygmunt Bauman; tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

Dantas, Triana de Veneza Sodré e. Educação do negro: a pedagogia do Congo de Livramento, MT. / Triana de Veneza Sodré e Dantas. –Cuiabá: Instituto de Educação, 1995.

GILROY, Paul. O Atlântico Negro : Modernidade e dupla consciência. tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo; Ed. 34, 2001.

Haesbaert, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. organização Liv Sovik; tradução Adelaine La Guardia Resende... [et. al.]. – Belo Horizonte: Ed. UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.

Pinho, Patrícia de Santana. Reinvenções da África na Bahia / Patrícia de Santana Pinho – São Paulo : Annablume, 2004.

Silva, José Orlando Muraro, Mata Cavalos: Escravos e proprietários de suas terras. Artigo publicado no Informe ao X congresso de direito agrário – Quilombos.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

Bauman, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.

Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001.

Bauman, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi / Zygmunt Bauman; tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Conheça o patrimônio histórico de Cáceres

Visitando a princesinha do Paraguai





Cáceres princesinha do Rio Paraguai, a 220km da capital Cuiabá.Conheça nossa história através de nossos belos casarões e viaje em nossa fauna e flora pantaneira.

Os bandeirantes conquistam o território mato-grossense